quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Crônica: Reforma politica

Quando se fala em reformas deve vir acompanhado o debate da reforma política. Através dela tenciona-se dotar a sociedade civil de instrumentos mais eficazes para eleição dos seus representantes. Dentre todas, a reforma política assume papel de destaque. Pode-se dizer que as demais reformas - como a tributária ou até mesmo a trabalhista - a longo ou médio prazo dela dependem para surtirem efeito.

Acontece que a reforma política causa impacto direto na vida dos parlamentares. Não bastasse o tema ser passível de discussões das mais sofisticadas, provoca reatividade naqueles políticos cuja função pública é tida como sinecura.  A reforma política – sem espaço para dúvida – importa em alterações legislativas passíveis de opiniões diametrais tanto quanto causa a reforma tributária. Vale ressaltar que a diminuição da carga tributária depende - e muito - da alteração do processo eleitoral. A finalidade da reforma política - dentre outras - é dotar o Estado de uma melhor administração pública. Uma melhor administração dos recursos públicos implicará consequentemente na diminuição das despesas e da carga tributária. Isto sem deixar de mencionar que a função fiscalizadora exercida através do poder legislativo, tende a ser igualmente potencializada a partir do momento que seja modificado o processo eleitoral.

O obstáculo a ser transposto é que a discussão da reforma política cabe aos próprios parlamentares fazendo com que não haja isenção nas opiniões. Refiro-me aqui e literalmente a legislar em causa própria, já que a manutenção do atual processo é de interesse de boa parte da classe política. O processo eleitoral, como se apresenta, conspira para a alienação do eleitorado; para o profissionalismo político; para a "desideologização" do cidadão. Quem não comunga desta opinião que capitule o último pleito para o executivo nacional. A quantidade de siglas partidárias cirandando de mãos dadas; os debates realizados com forças políticas sem expressão nacional; o apelo quase que exclusivo ao senso emotivo do eleitor; são apenas alguns exemplos e resultados do sistema. O atual processo eleitoral conspira para a balbúrdia; para a política de discurso cabotino; para a falta de compromisso.

De outra parte, em um país onde se fazem necessárias transformações sociais a democracia segue a lógica shakesperiana do ser ou não ser. Não há como levar adiante uma oposição responsável quando se é irresponsável com o próprio eleitor. Não existe independência quando há conseqüências. Sobretudo, sopese-se: há que se reconhecer que a democracia brasileira se resume ainda no direito ao voto; para não dizer que somente a ele.

Algumas vozes defendem a idéia da formação de uma assembléia constituinte exclusiva para votação de temas pontuais como o da própria reforma política, que depois viria a ser dissolvida após o processo legislativo. Entendem que deste modo haveria por solucionado o problema.

Puro engodo!

A formação de uma assembléia constituinte com poderes tão somente para votar a reforma política não modificará em nada a realidade. Os efeitos seriam mínimos. Os ganhos, insignificantes. Os efeitos, inócuos. A solução para a questão da reforma política, como para outros temas de relevância nacional, sempre será a mobilização social; a participação da sociedade civil organizada. É a história que nos ensina.

Apesar das críticas endereçadas à Constituição Federal da República, não deixa de ser a Constituição, nas suas imperfeições, exemplo de documento legislativo. Fruto de uma votação democrática com participação popular ativa, a Constituição dá timbre a críticas ferozes, mas deu, dá e continuará dando coro à cidadania. Tanto no seu teor, mas principalmente na sua formação, a Constituição apresentasse multifacetária como multifacetária é a sociedade brasileira.

Quero assim frisar: não há ambiente político, muito menos ainda articulação social para a formação de uma constituinte.

Finalizando; a formação de uma constituinte exclusiva para a reforma política nada mais representará do que uma saída formalista – um véu de aparência - que não frutificará em efeitos práticos ou pelo menos nos efeitos almejados pela sociedade. Entre a formação de uma constituinte e a votação de temas de forma esparsa - a despeito de não ser este o caminho ideal – prefere-se a segunda via, sobretudo pela maior visibilidade do assunto na mídia como até o momento tem acontecido.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jurisprudência: ações preferenciais

RECURSO ESPECIAL. SOCIETÁRIO. AÇÕES PREFERENCIAIS. / DIREITO DE VOTO. POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO. / PREFERÊNCIAS E VANTAGENS.
ALTERAÇÃO. / ATRIBUIÇÃO DE DIREITO DE VOTO PERMANENTE OU CONVERSÃO EM ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. / NULIDADE EM MATÉRIA SOCIETÁRIA. / SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. / AUSÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS.
AÇÕES SEM DIVIDENDO FIXO OU MÍNIMO. AUSÊNCIA DE DIREITO DE VOTO CONTINGENTE. / ACORDO DE ACIONISTAS. NÃO ATRIBUIÇÃO DE DIREITO DE VOTO ÀS AÇÕES PREFERENCIAIS. VALIDADE.
1. Não é ilegal a supressão do direito de voto das ações preferenciais, desde que se lhes atribua alguma das vantagens ou preferências previstas em lei.
2. Durante a vigência da redação original do art. 17 da LSA, as preferências ou vantagens das ações preferenciais podiam se limitar àquelas arroladas nos incisos do referido artigo, que não compreendiam direito à percepção de dividendos superiores aos pagos às ações ordinárias (dividendo diferencial).
3. O direito à percepção de dividendo diferencial foi indistintamente atribuído, por lei, a todas as ações preferenciais apenas durante a vigência da redação do art. 17 da LSA dada pela Lei n. 9.457, de 1997.
4. Com a edição da Lei n. 10.303, de 2001, que alterou o referido artigo, não há obrigação legal de atribuir dividendo diferencial às ações preferenciais não negociadas no mercado de valores mobiliários, cujas vantagens e preferências podem se limitar àquelas arroladas nos incisos do caput do art. 17, isolada ou cumulativamente.
5. A alteração das vantagens e preferências das ações preferenciais não lhes confere direito de voto definitivo, nem as converte em ações ordinárias, pois eventual reforma estatutária que não atribuísse, no mínimo, as vantagens e preferências previstas no art.
17 da LSA implicaria nulidade e o consequente retorno à redação anterior do estatuto. Eventual nulidade, porém, somente poderia ser alegada nos prazos previstos na LSA e não é dado ao juiz conhecê-la de ofício, pois, em matéria societária não se aplica, de ordinário, a teoria das nulidades de Direito comum. Consequência, ademais, incompatível com o pedido inicial.
6. Também não há atribuição de voto definitivo às ações preferenciais, nem sua conversão em ordinárias se os acionistas preferencialistas não anuírem com as alterações de suas vantagens ou preferências. Nesta hipótese, as alterações são apenas ineficazes em relação às classes de ações preferenciais que não as aprovarem.
7. No caso concreto, é impossível, sem reexame de provas e interpretação do estatuto da companhia, aferir se a alteração das preferências e vantagens das ações preferenciais infringiu o disposto na lei societária vigente à época e atribuiu aos preferencialistas não-vantagens ou não-preferências. Incidência das Súmulas n. 5 e 7 desta Corte a vedar o conhecimento de alegada ofensa aos arts. 15, 17, 18 e 19 da LSA.
8. A aquisição temporária do direito de voto pelas ações preferenciais, nos termos do § 1o do art. 111 da LSA (voto contingente), é restrita às ações preferenciais que fazem jus a dividendos fixos ou mínimos. Ausência de violação ao referido dispositivo legal.
9. Não é ilegal disposição de acordo de acionistas que prevê que as ações preferenciais não gozarão de direito de voto, conforme admite o caput do art. 111 da LSA. Ausência de violação dos arts. 82 e 145, II, do Código Civil de 1916.
10. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, improvido.
(REsp 818.506/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 17/03/2010)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Sociedade simples - ISSQN Alíquota fixa

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISSQN. ART. 9°, §3°, DO DECRETO-LEI N.406/68. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. RECOLHIMENTO POR QUOTA FIXA.AUSÊNCIA DE CARÁTER EMPRESARIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.INOCORRÊNCIA.1. A divergência jurisprudencial, ensejadora de conhecimento do recurso especial pela alínea "c", deve ser devidamente demonstrada, conforme as exigências do parágrafo único do art. 541 do CPC, c/c o art. 255, e seus parágrafos, do RISTJ.2. À demonstração do dissídio jurisprudencial, impõe indispensável revelar soluções encontradas pelo decisum embargado e paradigma tiveram por base as mesmas premissas fáticas e jurídicas, havendo entre elas similitude de circunstâncias, sendo insuficiente para esse fim a mera transcrição de ementas (precedentes: REsp n.º 425.467 - MT, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, DJ de 05/09/2005; REsp n.º 703.081 - CE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ de 22/08/2005; AgRg no REsp n.º 463.305 - PR, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, Primeira Turma, DJ de 08/06/2005).3. Ademais, o recurso especial interposto com esteio na alínea "c" é cabível quando a corte de origem tiver atribuído à lei federal interpretação diferente da conferida por outro tribunal, haja vista que a finalidade é justamente possibilitar a uniformização da jurisprudência dos tribunais acerca da interpretação da lei federal.4. In casu, o Município recorrente aduz que: "O acórdão oriundo da SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA, cuja decisão se dera por unanimidade de votos, entendeu que às sociedades civis uniprofissionais, com caráter empresarial, frise-se, gozam do privilégio previsto no Art. 9°, §3°, do Decreto-Lei Federal N° 406/68 (...) Já o acórdão paradigma oriundo da SEGUNDA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, A UNANIMIDADE, assentara o entendimento segundo o qual têm direito ao tratamento diferençado ao recolhimento do tributo ISSQN as sociedades civis uniprofissionais, cujo objeto contratual se destina à prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial.".5. Ocorre que, diferentemente do alegado, o acórdão recorrido entende que é cabível o recolhimento do ISS mediante alíquota fixa justamente por não ser a sociedade requerente uma sociedade com finalidade empresarial, coadunando-se com a jurisprudência do STJ, senão vejamos:"Com efeito, a sociedade simples constituída por sócios de profissões legalmente regulamentadas, ainda que sob a modalidade jurídica de sociedade limitada, não perde a sua condição de sociedade de profissionais, dada a natureza e forma de prestação de serviços profissionais, não podendo, portanto, ser considerada sociedade empresária pelo simples fato de ser sociedade limitada.É exatamente o caso da apelada. Extrai-se do contrato social que a sociedade é composta por dois médicos e seu objeto é a exploração, por conta própria, do ramo de clínica médica e cirurgia de oftalmologia e anestesia. Como frisado na sentença, apesar de registrada na Junta Comercial, a apelada tem características de uma sociedade simples, porquanto formada por apenas dois sócios, ambos desempenhando a mesma atividade intelectual de forma pessoal e respondendo por seus atos. Diante desses elementos, entendo que a sociedade simples limitada, desprovida de elemento de empresa, atende plenamente às disposições do Decreto-lei n. 406/68, e, em relação ao ISS, devem ser tributadas em valor fixo, segundo a quantidade de profissionais que nela atuam. (...) Assim, verificada que a apelada preenche os requisitos das sociedades uniprofissionais, uma vez que assim caracteriza-se toda aquela sociedade formada por profissionais liberais que atuam na mesma área, legalmente habilitados nos órgãos fiscalizadores do exercício da profissão e que se destinam à prestação de serviços por meio do trabalho pessoal dos seus sócios, desde que não haja finalidade empresarial, impõe-se a manutenção da sentença que lhe garantiu o direito de recolher o ISS mediante alíquota fixa, em conformidade com o Decreto-lei n. 406/68, bem como em compensar a quantia paga a maior." 6. Agravo Regimental desprovido.(AgRg no REsp 1205175/RO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 16/11/2010)

Negócio jurídico celebrado por gerente de SA

DIREITO EMPRESARIAL. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO POR GERENTE DE SOCIEDADE ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE PODERES. ATO CONEXO COM A ESPECIALIZAÇÃO ESTATUTÁRIA DA EMPRESA. LIMITAÇÃO ESTATUTÁRIA.MATÉRIA, EM PRINCÍPIO, INTERNA CORPORIS. TERCEIRO DE BOA-FÉ. TEORIA DA APARÊNCIA. APLICABILIDADE.1. No caso em exame, debatem as partes em torno de aditivo que apenas estabeleceu nova forma de reajuste do contrato original - em relação ao qual não se discute a validade -, circunstância a revelar que o negócio jurídico levado a efeito pelo então Gerente de Suprimentos, que é acessório, possui a mesma natureza do principal - prestação de serviços -, o qual, a toda evidência, poderia ser celebrado pela sociedade recorrente por se tratar de ato que se conforma com seu objeto social.2. Na verdade, se a pessoa jurídica é constituída em razão de uma finalidade específica (objeto social), em princípio, os atos consentâneos a essa finalidade, não sendo estranho ao seu objeto, praticados em nome e por conta da sociedade, por seus representantes legais, devem ser a ela imputados.3. As limitações estatutárias ao exercício de atos por parte da Diretoria da Sociedade Anônima, em princípio, são, de fato, matéria interna corporis, inoponíveis a terceiros de boa fé que com a sociedade venham a contratar.4. Por outro lado, a adequada representação da pessoa jurídica e a boa-fé do terceiro contratante devem ser somadas ao fato de ter ou não a sociedade praticado o ato nos limites do seu objeto social, por intermédio de pessoa que ostentava ao menos aparência de poder.5. A moldura fática delineada pelo acórdão não indica a ocorrência de qualquer ato de ma-fé por parte da autora, ora recorrida, além de deixar estampado o fato de que o subscritor do negócio jurídico ora impugnado - Gerente de Suprimento - assinou o apontado "aditivo contratual" na sede da empresa e no exercício ordinário de suas atribuições, as quais, aliás, faziam ostentar a nítida aparência a terceiros de que era, deveras, representante da empresa.6. Com efeito, não obstante o fato de o subscritor do negócio jurídico não possuir poderes estatutários para tanto, a circunstância de este comportar-se, no exercício de suas atribuições - e somente porque assim o permitiu a companhia -, como legítimo representante da sociedade atrai a responsabilidade da pessoa jurídica por negócios celebrados pelo seu representante putativo com terceiros de boa-fé. Aplicação da teoria da aparência.7. Recurso especial improvido.(REsp 887.277/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 09/11/2010)

Bacen Jud

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA ELETRÔNICA. SISTEMA BACEN-JUD. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. ARTIGO 11, DA LEI 6.830/80. ARTIGO 185-A, DO CTN. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 11.382/2006. ARTIGOS 655, I, E 655-A, DO CPC.INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DAS LEIS. TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES.APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI DE ÍNDOLE PROCESSUAL.1. A utilização do Sistema BACEN-JUD, no período posterior à vacatio legis da Lei 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do exaurimento de diligências extrajudiciais, por parte do exeqüente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações financeiras (Precedente da Primeira Seção: EREsp 1.052.081/RS, Rel.Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010. Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp 1.194.067/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 01.07.2010; AgRg no REsp 1.143.806/SP, Rel.Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010; REsp 1.101.288/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02.04.2009, DJe 20.04.2009; e REsp 1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008. Precedente da Corte Especial que adotou a mesma exegese para a execução civil: REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15.09.2010).2. A execução judicial para a cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias é regida pela Lei 6.830/80 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.3. A Lei 6.830/80, em seu artigo 9º, determina que, em garantia da execução, o executado poderá, entre outros, nomear bens à penhora, observada a ordem prevista no artigo 11, na qual o "dinheiro" exsurge com primazia.4. Por seu turno, o artigo 655, do CPC, em sua redação primitiva, dispunha que incumbia ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a ordem de penhora, cujo inciso I fazia referência genérica a "dinheiro".5. Entrementes, em 06 de dezembro de 2006, sobreveio a Lei 11.382, que alterou o artigo 655 e inseriu o artigo 655-A ao Código de Processo Civil, verbis: "Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;II - veículos de via terrestre;III - bens móveis em geral;IV - bens imóveis;V - navios e aeronaves;VI - ações e quotas de sociedades empresárias;VII - percentual do faturamento de empresa devedora;VIII - pedras e metais preciosos;IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;XI - outros direitos.(...) Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.§ 1o As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.(...)" 6. Deveras, antes da vigência da Lei 11.382/2006, encontravam-se consolidados, no Superior Tribunal de Justiça, os entendimentos jurisprudenciais no sentido da relativização da ordem legal de penhora prevista nos artigos 11, da Lei de Execução Fiscal, e 655, do CPC (EDcl nos EREsp 819.052/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 08.08.2007, DJ 20.08.2007; e EREsp 662.349/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 10.05.2006, DJ 09.10.2006), e de que o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações financeiras (mediante a expedição de ofício à Receita Federal e ao BACEN) pressupunha o esgotamento, pelo exeqüente, de todos os meios de obtenção de informações sobre o executado e seus bens e que as diligências restassem infrutíferas (REsp 144.823/PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 02.10.1997, DJ 17.11.1997; AgRg no Ag 202.783/PR, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 17.12.1998, DJ 22.03.1999; AgRg no REsp 644.456/SC, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 15.02.2005, DJ 04.04.2005; REsp 771.838/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.09.2005, DJ 03.10.2005; e REsp 796.485/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 02.02.2006, DJ 13.03.2006).7. A introdução do artigo 185-A no Código Tributário Nacional, promovida pela Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, corroborou a tese da necessidade de exaurimento das diligências conducentes à localização de bens passíveis de penhora antes da decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado, verbis: "Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.§ 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.§ 2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido." 8. Nada obstante, a partir da vigência da Lei 11.382/2006, os depósitos e as aplicações em instituições financeiras passaram a ser considerados bens preferenciais na ordem da penhora, equiparando-se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC), tornando-se prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fim de se autorizar a penhora on line (artigo 655-A, do CPC).9. A antinomia aparente entre o artigo 185-A, do CTN (que cuida da decretação de indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado) e os artigos 655 e 655-A, do CPC (penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira) é superada com a aplicação da Teoria pós-moderna do Dialógo das Fontes, idealizada pelo alemão Erik Jayme e aplicada, no Brasil, pela primeira vez, por Cláudia Lima Marques, a fim de preservar a coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil.10. Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo.11. Deveras, a ratio essendi do artigo 185-A, do CTN, é erigir hipótese de privilégio do crédito tributário, não se revelando coerente "colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988)" (REsp 1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008).12. Assim, a interpretação sistemática dos artigos 185-A, do CTN, com os artigos 11, da Lei 6.830/80 e 655 e 655-A, do CPC, autoriza a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente do exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exeqüente.13. À luz da regra de direito intertemporal que preconiza a aplicação imediata da lei nova de índole processual, infere-se a existência de dois regimes normativos no que concerne à penhora eletrônica de dinheiro em depósito ou aplicação financeira: (i) período anterior à égide da Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006 (que obedeceu a vacatio legis de 45 dias após a publicação), no qual a utilização do Sistema BACEN-JUD pressupunha a demonstração de que o exeqüente não lograra êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens; e (ii) período posterior à vacatio legis da Lei 11.382/2006 (21.01.2007), a partir do qual se revela prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fim de se autorizar a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras.14. In casu, a decisão proferida pelo Juízo Singular em 30.01.2008 determinou, com base no poder geral de cautela, o "arresto prévio" (mediante bloqueio eletrônico pelo sistema BACENJUD) dos valores existentes em contas bancárias da empresa executada e dos co-responsáveis (até o limite do valor exeqüendo), sob o fundamento de que "nos processos de execução fiscal que tramitam nesta vara, tradicionalmente, os executados têm se desfeito de bens e valores depositados em instituições bancárias após o recebimento da carta da citação".15. Consectariamente, a argumentação empresarial de que o bloqueio eletrônico dera-se antes da regular citação esbarra na existência ou não dos requisitos autorizadores da medida provisória (em tese, apta a evitar lesão grave e de difícil reparação, ex vi do disposto nos artigos 798 e 799, do CPC), cuja análise impõe o reexame do contexto fático-probatório valorado pelo Juízo Singular, providência obstada pela Súmula 7/STJ.16. Destarte, o bloqueio eletrônico dos depósitos e aplicações financeiras dos executados, determinado em 2008 (período posterior à vigência da Lei 11.382/2006), não se condicionava à demonstração da realização de todas as diligências possíveis para encontrar bens do devedor.17. Contudo, impende ressalvar que a penhora eletrônica dos valores depositados nas contas bancárias não pode descurar-se da norma inserta no artigo 649, IV, do CPC (com a redação dada pela Lei 11.382/2006), segundo a qual são absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal".18. As questões atinentes à prescrição dos créditos tributários executados e à ilegitimidade dos sócios da empresa (suscitadas no agravo de instrumento empresarial) deverão se objeto de discussão na instância ordinária, no âmbito do meio processual adequado, sendo certo que o requisito do prequestionamento torna inviável a discussão, pela vez primeira, em sede de recurso especial, de matéria não debatida na origem.19. Recurso especial fazendário provido, declarando-se a legalidade da ordem judicial que importou no bloqueio liminar dos depósitos e aplicações financeiras constantes das contas bancárias dos executados. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.(REsp 1184765/PA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 03/12/2010)